I. PARA ORDENARMOS a nossa vida, o Senhor deu-nos os dias e as
noites. O dia fala ao dia e a noite comunica à noite os seus pensamentos1.
E cada novo dia recorda que temos de continuar os nossos trabalhos
interrompidos e renovar os nossos projetos e as nossas esperanças: “O homem sai
para o trabalho e lá fica até o anoitecer. Depois chega a noite e, com um
sorriso bondoso, Deus manda-nos pôr de lado todas as ninharias a que nós,
pobres mortais, damos tanta importância [...], fecha-nos os livros, esconde-nos
as distrações, cobre com um grande manto negro as nossas existências...; quando
a escuridão nos envolve, passamos por um ensaio geral da morte; a alma e o
corpo despedem-se um do outro... Então chega a manhã e com ela o renascimento”2.
De certa
maneira, cada dia começa com um nascimento e acaba com uma morte; cada dia é
como uma vida em miniatura. No fim, a nossa passagem pelo mundo terá sido santa
e agradável a Deus se tivermos tido a preocupação de que cada dia fosse grato a
Deus, desde que o sol despontou até o seu ocaso, como também a noite, porque a
teremos igualmente oferecido a Deus.
O hoje é a
única coisa de que dispomos para santificar. O dia fala ao dia; o dia de ontem
sussurra ao de hoje e nos diz da parte do Senhor: “Começa bem”. O dia de ontem
desapareceu para sempre, com todas as suas possibilidades e com todos os seus
perigos. Dele só ficaram motivos de contrição pelas coisas que não fizemos bem,
e de gratidão pelas inumeráveis graças, benefícios e cuidados que recebemos de
Deus. O “amanhã” ainda está nas mãos do Senhor. “Porta-te bem «agora», sem te
lembrares de «ontem», que já passou, e sem te preocupares com o «amanhã», que
não sabes se chegará para ti”3.
O que devemos
santificar é, pois, o dia de hoje. Mas como havemos de fazê-lo, se não o
começamos oferecendo-o a Deus? Só os que não conhecem a Deus e os cristãos
tíbios é que começam os seus dias de qualquer maneira. O oferecimento de obras
pela manhã é um ato de piedade que orienta bem o dia, que o dirige para Deus
desde o princípio, tal como a bússola aponta para o Norte; prepara-nos para
escutar e atender as constantes
inspirações e moções que o Espírito Santo nos segredará ao longo do dia que
começa, um dia que nunca se repetirá. Se ouvirdes hoje a sua voz, não queirais
endurecer o vosso coração4. O Senhor fala-nos todos os dias.
Dizemos ao
Senhor que queremos servi-lo no dia de hoje, que queremos tê-lo presente.
“Renovai todas as manhãs, com um serviam! decidido – Senhor, eu te servirei! –,
o propósito de não ceder, de não cair na preguiça ou no desleixo, de enfrentar
os afazeres com mais esperança, com mais otimismo, bem persuadidos de que, se
em alguma escaramuça formos vencidos, poderemos superar esse baque com um ato
de amor sincero”5.
As nossas
obras chegarão mais cedo a Deus se lhe oferecermos o dia através de sua Mãe,
que é também a nossa Mãe. “Aquilo que desejes oferecer, ainda que seja pouco,
procura depositá-lo nas mãos de Maria, mãos graciosissímas e digníssimas de
todo o apreço, a fim de que seja oferecido ao Senhor sem que desperte a sua
repulsa”6.
II. O COSTUME DE OFERECER o dia a Deus já era vivido pelos
primeiros cristãos: “Logo que acordam, antes de enfrentarem novamente o bulício
da vida, antes de conceberem em seu coração qualquer idéia, antes mesmo de se
lembrarem do cuidado dos seus interesses familiares, consagram ao Senhor o
nascimento e princípio dos seus pensamentos”7.
Muitos bons
cristãos têm o hábito adquirido de dirigir o primeiro pensamento do dia para
Deus. E, a seguir, de viver o “minuto heróico”, que é uma boa ajuda para fazer
animosamente o oferecimento de obras e começar bem o dia. “O minuto heróico. –
É a hora exata de te levantares. Sem hesitar: um pensamento sobrenatural e...
fora! – O minuto heróico: aí tens uma mortificação que fortalece a tua vontade
e não debilita a tua natureza”8. “Se, com a ajuda de Deus, te
venceres, muito terás adiantado para o resto do dia. Desmoraliza tanto
sentir-se vencido na primeira escaramuça!”9
Ainda que não
seja necessário adotar uma fórmula concreta, é conveniente ter um modo habitual
de cumprir esta prática de piedade, tão útil para que todo o dia ande bem. Há
quem recite alguma oração simples, aprendida na infância ou quando já era
crescido. É muito conhecida esta oração à Virgem, que serve ao mesmo tempo de
oferecimento de obras e de consagração pessoal diária a Nossa Senhora: Ó
Senhora minha, ó minha Mãe! Eu me ofereço todo a Vós e, em prova da minha
devoção para convosco, Vos consagro neste dia meus olhos, meus ouvidos, minha
boca, meu coração e inteiramente todo o meu ser. E como assim sou vosso, ó boa
Mãe, guardai-me e defendei-me como coisa e propriedade vossa. Amém.
Além do
oferecimento de obras, cada um deve ver o que pode ser conveniente acrescentar
às suas orações ao levantar-se: mais alguma oração a Nossa Senhora, uma
invocação a São José, ao Anjo da Guarda. É também o momento adequado de
recordar os propósitos de luta feitos no exame de consciência do dia anterior,
e de renovar o desejo de cumpri-los, com a graça de Deus.
Senhor Deus
todo-poderoso, que nos fizestes chegar ao começo deste dia, salvai-nos hoje com
o vosso poder, para que não caiamos em nenhum pecado e as nossas palavras,
pensamentos e atos sigam o caminho dos vossos preceitos10.
III. TEMOS QUE DIRIGIR-NOS ao Senhor todos os dias pedindo-lhe ajuda
para tê-lo presente em quaisquer circunstâncias; não apenas nos momentos
dedicados expressamente a falar com Ele, mas também nas atividades diárias
normais, pois queremos que, além de estarem bem feitas, sejam oração grata a
Deus. Por isso podemos dizer com a Igreja: Nós te pedimos, Senhor, que previnas
as nossas ações e nos ajudes a prossegui-las, a fim de que todo o nosso
trabalho comece sempre em Ti e por Ti alcance o seu fim11.
A Santa Missa
é o momento mais adequado para renovarmos o oferecimento da nossa vida e das
obras do dia. Enquanto o sacerdote oferece o pão e o vinho, nós oferecemos tudo
quanto somos e possuímos, bem como tudo aquilo que nos propomos fazer no dia
que começa. Colocamos na patena a
memória, a inteligência, a vontade... Colocamos nela a família, o trabalho, as
alegrias, a dor, as preocupações..., e as jaculatórias e os atos de desagravo,
as comunhões espirituais, os pequenos sacrifícios, os atos de amor com que
esperamos preencher o dia.
Sempre serão
pobres e pequenos estes dons que oferecemos, mas, ao unirem-se à oblação de
Cristo na Missa, tornam-se incomensuráveis e eternos. “Todas as suas obras,
preces e iniciativas apostólicas, a vida conjugal e familiar, o trabalho cotidiano,
o descanso do corpo e da alma, se praticados no Espírito, e mesmo os incômodos
da vida pacientemente suportados, tornam-se hóstias espirituais, agradáveis a
Deus, por Jesus Cristo (1 Pe 2, 5), hóstias que são piedosamente oferecidas ao
Pai com a oblação do Senhor na celebração da Eucaristia”12.
No altar, ao
lado do pão e do vinho, deixamos tudo quanto somos e possuímos: anseios,
amores, trabalhos, preocupações... E no momento da Consagração entregamo-los
definitivamente a Deus. Agora, já nada disso é só nosso, e portanto – como quem
o recebeu em depósito e para o administrar – devemos utilizá-lo para o fim a
que o destinamos: para a glória de Deus e para fazer o bem aos que estão à
nossa volta.
O fato de
termos oferecido todas as nossas obras a Deus ajuda-nos a executá-las melhor, a
trabalhar com mais eficácia, a estar mais alegres na vida em família ainda que
estejamos cansados, a ser melhores cidadãos, a esmerar-nos na convivência com
todos. Aliás, podemos repetir em pensamento o nosso oferecimento de obras
muitas vezes ao longo do dia; por exemplo, quando iniciamos uma nova atividade
ou quando aquilo que estamos fazendo se torna especialmente difícil. O Senhor
também aceita o nosso cansaço, que desse modo adquire um valor redentor.
Vivamos cada
dia como se fosse o único que temos para oferecer a Deus, procurando fazer bem
as coisas, retificando-as quando as fazemos mal. E um desses dias será o
último, e também o teremos oferecido a Deus, nosso Pai. Então, se tivermos
procurado viver oferecendo continuamente a Deus a nossa vida, ouviremos Jesus
que nos diz, como ao bom ladrão: Em verdade te digo, hoje estarás comigo no
Paraíso13.
(1) Sl 18, 3; (2) R. A. Knox, Meditações para um
retiro, Prumo, Lisboa, 1960, pág. 30-31; (3) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 253;
(4) Sl 35, 8; (5) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 217; (6) São Bernardo,
Hom. na natividade de N. Senhora, 18; (7) Cassiano, Colações, 21; (8) Josemaría
Escrivá, Caminho, n. 206; (9) ib., n. 191; (10) Preces de laudes, Liturgia das
horas da quinta-feira da quinta semana do Tempo Pascal; (11) ib.; (12) Conc.
Vat. II, Const. Lumen gentium, 34; (13) Lc 23, 43.
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