quinta-feira, 10 de maio de 2012

OFERECER AS OBRAS DO DIA


I.         PARA ORDENARMOS a nossa vida, o Senhor deu-nos os dias e as noites. O dia fala ao dia e a noite comunica à noite os seus pensamentos1. E cada novo dia recorda que temos de continuar os nossos trabalhos interrompidos e renovar os nossos projetos e as nossas esperanças: “O homem sai para o trabalho e lá fica até o anoitecer. Depois chega a noite e, com um sorriso bondoso, Deus manda-nos pôr de lado todas as ninharias a que nós, pobres mortais, damos tanta importância [...], fecha-nos os livros, esconde-nos as distrações, cobre com um grande manto negro as nossas existências...; quando a escuridão nos envolve, passamos por um ensaio geral da morte; a alma e o corpo despedem-se um do outro... Então chega a manhã e com ela o renascimento”2.
De certa maneira, cada dia começa com um nascimento e acaba com uma morte; cada dia é como uma vida em miniatura. No fim, a nossa passagem pelo mundo terá sido santa e agradável a Deus se tivermos tido a preocupação de que cada dia fosse grato a Deus, desde que o sol despontou até o seu ocaso, como também a noite, porque a teremos igualmente oferecido a Deus.
O hoje é a única coisa de que dispomos para santificar. O dia fala ao dia; o dia de ontem sussurra ao de hoje e nos diz da parte do Senhor: “Começa bem”. O dia de ontem desapareceu para sempre, com todas as suas possibilidades e com todos os seus perigos. Dele só ficaram motivos de contrição pelas coisas que não fizemos bem, e de gratidão pelas inumeráveis graças, benefícios e cuidados que recebemos de Deus. O “amanhã” ainda está nas mãos do Senhor. “Porta-te bem «agora», sem te lembrares de «ontem», que já passou, e sem te preocupares com o «amanhã», que não sabes se chegará para ti”3.
O que devemos santificar é, pois, o dia de hoje. Mas como havemos de fazê-lo, se não o começamos oferecendo-o a Deus? Só os que não conhecem a Deus e os cristãos tíbios é que começam os seus dias de qualquer maneira. O oferecimento de obras pela manhã é um ato de piedade que orienta bem o dia, que o dirige para Deus desde o princípio, tal como a bússola aponta para o Norte; prepara-nos para escutar e atender as constantes inspirações e moções que o Espírito Santo nos segredará ao longo do dia que começa, um dia que nunca se repetirá. Se ouvirdes hoje a sua voz, não queirais endurecer o vosso coração4. O Senhor fala-nos todos os dias.
Dizemos ao Senhor que queremos servi-lo no dia de hoje, que queremos tê-lo presente. “Renovai todas as manhãs, com um serviam! decidido – Senhor, eu te servirei! –, o propósito de não ceder, de não cair na preguiça ou no desleixo, de enfrentar os afazeres com mais esperança, com mais otimismo, bem persuadidos de que, se em alguma escaramuça formos vencidos, poderemos superar esse baque com um ato de amor sincero”5.
As nossas obras chegarão mais cedo a Deus se lhe oferecermos o dia através de sua Mãe, que é também a nossa Mãe. “Aquilo que desejes oferecer, ainda que seja pouco, procura depositá-lo nas mãos de Maria, mãos graciosissímas e digníssimas de todo o apreço, a fim de que seja oferecido ao Senhor sem que desperte a sua repulsa”6.

II.        O COSTUME DE OFERECER o dia a Deus já era vivido pelos primeiros cristãos: “Logo que acordam, antes de enfrentarem novamente o bulício da vida, antes de conceberem em seu coração qualquer idéia, antes mesmo de se lembrarem do cuidado dos seus interesses familiares, consagram ao Senhor o nascimento e princípio dos seus pensamentos”7.
Muitos bons cristãos têm o hábito adquirido de dirigir o primeiro pensamento do dia para Deus. E, a seguir, de viver o “minuto heróico”, que é uma boa ajuda para fazer animosamente o oferecimento de obras e começar bem o dia. “O minuto heróico. – É a hora exata de te levantares. Sem hesitar: um pensamento sobrenatural e... fora! – O minuto heróico: aí tens uma mortificação que fortalece a tua vontade e não debilita a tua natureza”8. “Se, com a ajuda de Deus, te venceres, muito terás adiantado para o resto do dia. Desmoraliza tanto sentir-se vencido na primeira escaramuça!”9
Ainda que não seja necessário adotar uma fórmula concreta, é conveniente ter um modo habitual de cumprir esta prática de piedade, tão útil para que todo o dia ande bem. Há quem recite alguma oração simples, aprendida na infância ou quando já era crescido. É muito conhecida esta oração à Virgem, que serve ao mesmo tempo de oferecimento de obras e de consagração pessoal diária a Nossa Senhora: Ó Senhora minha, ó minha Mãe! Eu me ofereço todo a Vós e, em prova da minha devoção para convosco, Vos consagro neste dia meus olhos, meus ouvidos, minha boca, meu coração e inteiramente todo o meu ser. E como assim sou vosso, ó boa Mãe, guardai-me e defendei-me como coisa e propriedade vossa. Amém.
Além do oferecimento de obras, cada um deve ver o que pode ser conveniente acrescentar às suas orações ao levantar-se: mais alguma oração a Nossa Senhora, uma invocação a São José, ao Anjo da Guarda. É também o momento adequado de recordar os propósitos de luta feitos no exame de consciência do dia anterior, e de renovar o desejo de cumpri-los, com a graça de Deus.
Senhor Deus todo-poderoso, que nos fizestes chegar ao começo deste dia, salvai-nos hoje com o vosso poder, para que não caiamos em nenhum pecado e as nossas palavras, pensamentos e atos sigam o caminho dos vossos preceitos10.

III.      TEMOS QUE DIRIGIR-NOS ao Senhor todos os dias pedindo-lhe ajuda para tê-lo presente em quaisquer circunstâncias; não apenas nos momentos dedicados expressamente a falar com Ele, mas também nas atividades diárias normais, pois queremos que, além de estarem bem feitas, sejam oração grata a Deus. Por isso podemos dizer com a Igreja: Nós te pedimos, Senhor, que previnas as nossas ações e nos ajudes a prossegui-las, a fim de que todo o nosso trabalho comece sempre em Ti e por Ti alcance o seu fim11.
A Santa Missa é o momento mais adequado para renovarmos o oferecimento da nossa vida e das obras do dia. Enquanto o sacerdote oferece o pão e o vinho, nós oferecemos tudo quanto somos e possuímos, bem como tudo aquilo que nos propomos fazer no dia que começa. Colocamos na patena a memória, a inteligência, a vontade... Colocamos nela a família, o trabalho, as alegrias, a dor, as preocupações..., e as jaculatórias e os atos de desagravo, as comunhões espirituais, os pequenos sacrifícios, os atos de amor com que esperamos preencher o dia.
Sempre serão pobres e pequenos estes dons que oferecemos, mas, ao unirem-se à oblação de Cristo na Missa, tornam-se incomensuráveis e eternos. “Todas as suas obras, preces e iniciativas apostólicas, a vida conjugal e familiar, o trabalho cotidiano, o descanso do corpo e da alma, se praticados no Espírito, e mesmo os incômodos da vida pacientemente suportados, tornam-se hóstias espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo (1 Pe 2, 5), hóstias que são piedosamente oferecidas ao Pai com a oblação do Senhor na celebração da Eucaristia”12.
No altar, ao lado do pão e do vinho, deixamos tudo quanto somos e possuímos: anseios, amores, trabalhos, preocupações... E no momento da Consagração entregamo-los definitivamente a Deus. Agora, já nada disso é só nosso, e portanto – como quem o recebeu em depósito e para o administrar – devemos utilizá-lo para o fim a que o destinamos: para a glória de Deus e para fazer o bem aos que estão à nossa volta.
O fato de termos oferecido todas as nossas obras a Deus ajuda-nos a executá-las melhor, a trabalhar com mais eficácia, a estar mais alegres na vida em família ainda que estejamos cansados, a ser melhores cidadãos, a esmerar-nos na convivência com todos. Aliás, podemos repetir em pensamento o nosso oferecimento de obras muitas vezes ao longo do dia; por exemplo, quando iniciamos uma nova atividade ou quando aquilo que estamos fazendo se torna especialmente difícil. O Senhor também aceita o nosso cansaço, que desse modo adquire um valor redentor.
Vivamos cada dia como se fosse o único que temos para oferecer a Deus, procurando fazer bem as coisas, retificando-as quando as fazemos mal. E um desses dias será o último, e também o teremos oferecido a Deus, nosso Pai. Então, se tivermos procurado viver oferecendo continuamente a Deus a nossa vida, ouviremos Jesus que nos diz, como ao bom ladrão: Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso13.

(1) Sl 18, 3; (2) R. A. Knox, Meditações para um retiro, Prumo, Lisboa, 1960, pág. 30-31; (3) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 253; (4) Sl 35, 8; (5) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 217; (6) São Bernardo, Hom. na natividade de N. Senhora, 18; (7) Cassiano, Colações, 21; (8) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 206; (9) ib., n. 191; (10) Preces de laudes, Liturgia das horas da quinta-feira da quinta semana do Tempo Pascal; (11) ib.; (12) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 34; (13) Lc 23, 43.