quarta-feira, 20 de maio de 2009

O Caso Galileu - nas escolas


Outro dia, ao rever uma tarefa com meu filho numa apostila do COC que é usado no seu colégio, me deparei com as mais absurdos comentários sobre Galileu e a Igreja. Segue, a seguir, a (quase) íntegra da carta que enviei à escola:


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Entendo que, dentre os desafios na árdua tarefa da Educação, a fonte e confiabillidade da informação nem sempre é idônea. Principalmente na época atual em que apesar da enormidade de informações disponíveis, nos deparamos com dualidades, parcialidades e muitas outras formas de imprecisões.

Como família Católica praticante que somos, sentimos de perto uma atitude constante de crítica à Santa Igreja, numa tendência neoliberal que muitas vezes é injusta e infundada e que estranhamente não ocorre, por exemplo, com outras religiões como o Judaísmo ou Islamismo.

É por esse prisma e pelo zelo da Verdade, justiça e comprometimento histórico que venho comentar uma enorme distorção encontrada no material do 4º Ano, que agora cito:

“Descobriu também que a Terra gira em torno do Sol.

A Igreja não aceitou essa descoberta, pois acreditava que o Sol girava em torno da Terra. Além disso, a Igreja pensava que a Terra era imóvel.

Nessa época, a Igreja ditava as regras a serem seguidas pela sociedade. Ao contrariar as regras da Igreja, Galileu foi condenado pela Inquisição e foi para o tribunal. Durante seu julgamento, ao ver que ia morrer queimado, negou suas descobertas.

Galileu morreu cego e perseguido pela Igreja. Só após 341 anos, em 1983, a Igreja, revendo o processo, absolveu Galileu de qualquer acusação."

(Sobre Galileu - Apostila #, página 157, Capítulo 3)

O trecho é tão repleto de inverdades que refutarei trecho a trecho, conforme abaixo:

1- Descobriu também que a Terra gira em torno do Sol.

Esse é um erro frequente que, como muitas outras pessoas, assim também eu aprendi no meu tempo de escola.

O sistema heliocêntrico já era contemplado por Aristarco (270 a.C.), mas não foi até Nicolau Copérnico (1473-1543 d.C.) que o sistema fora descrito por um modelo matemático – pelo menos 50 anos antes de Galileu.

Galileu, então, contribuiu ao processo e à controvérsia.

2 - A Igreja não aceitou essa descoberta, pois acreditava que o Sol girava em torno da Terra. Além disso, a Igreja pensava que a Terra era imóvel.

Três séculos e meio de uma publicidade distorcida e laicista fizeram nascer o mito de que Galileu foi um “mártir da ciência e da liberdade de pensamento e a Igreja a costumeira inimiga da liberdade e do progresso humano”. (2)(1)

Historicamente, o modelo Geocêntrico era o mais aceito até após a época de Galileu, não só pela comunidade religiosa (Igreja Católica e Protestante) como também pela comunidade científica, que reforçavam essa teoria pelo respaldo Bíblico e falta de evidências fatuais.

O que a Igreja de fato rejeitou, é que Galileu apresentasse sua teoria como certa e que baseasse sua justificativa na Sagrada Escritura, que em princípio estaria em contradição, e se envolvesse em assuntos teológicos.

De fato, a Igreja, mesmo que se pronunciasse no âmbito científico, nunca se pronunciou infalível nesta esfera, ao contrário dos preceitos de fé e moral.

Além disso, é comprovado que muitos dentro da Igreja apoiavam a teoria de Copérnico, que era padre e dedicou seu último trabalho (“Sobre as revoluções das esferas celestes” de 1543) ao Papa Paulo III. O sistema heliocênctrico foi utilizado para a reforma do calendário litúrgico. O Cardeal Casteli disse que Aristóteles tinha errado ao defender o geocentrismo. Os Cardeais Barberini e Caetani foram contra a declaração de herege a Galileu.

Barberini, já como Papa Urbano VIII, disse que a Igreja não havia condenado, nem estava para condenar o sistema heliocêntrico, apenas o classificara como “temerário”.

3 – Nessa época, a Igreja ditava as regras a serem seguidas pela sociedade.

Essa é uma afirmação sem base nem fundamento e com o único intuito de prejuticar a imagem da Igreja – que regras? que sociedade? Como já dito, a resistência ao sistema heliocêntrico era geral e não limitado à Santa Sé. E por mais que a Igreja, num período ou outro, tenha influenciado algum governo, em nenhum momento foi Ela seguida por toda a sociedade, muito menos com regras sociais ou científicas.

4 – Ao contrariar as regras da Igreja, Galileu foi condenado pela Inquisição e foi para o tribunal. Durante seu julgamento, ao ver que ia morrer queimado, negou suas descobertas.

As duas frases, por si só, não fazem sentido. Galileu não poderia ter sido condenado antes de ir para o tribunal ou de seu julgamento. Nem mesmo podia Galileu ter negado descobertas que ele não realizou.

Galileu participou de dois tribunais: o primeiro em 1616 onde prometeu obediência convencido pelo Cardeal Belarmino e os livros de Copérnico e Foscarini foram incluídos no Index (obras que, até então estavam livres).

Em 1633, no segundo tribunal, Galileu foi condenado por heresia inquisitorial ou disciplinar, e não teológica, pois, como já dito, desobedeceu a recomendação do Santo Ofício por diversas vezes. O Papa Urbano VIII (Cardeal Barberini) o protegeu de qualquer punição mais severa já que era seu amigo pessoal.

5 – Galileu morreu cego e perseguido pela Igreja.

Galileu foi condenado à prisão que foi cumprida, por ordem do Papa, na casa do embaixador de Florença e, em seguida, na residência de seu admirador o Arcebispo Piccolomini, por apenas 5 meses. Retornou a sua residência em menos de 6 meses de ter sido “encarcerado”.

Ficou cego em 1637 por não usar proteção nas suas observações solares; publica um livro de Física em 1638 (cujos estudos foram conduzidos no “cárcere”) e morre em 1642, de morte natural, com 78 anos, assistido por um sacerdote e com as bênçãos do Papa – como bom Católico que era.

”A idéia de que Galileu foi encarcerado e até mesmo torturado para que abjurasse de sua tese não foi mais que uma lenda transmitida por uma falsa iconografia”. (5)

6 – Só após 341 anos, em 1983, a Igreja, revendo o processo, absolveu Galileu de qualquer acusação

“Galileu já tinha sido reabilitado por Bento XIV em 1741, com a concessão do `Imprimatur` à primeira edição das obras completas de Galileu. Em 1757, as obras científicas favoráveis à teoria heliocêntrica foram retiradas do Index de livros proibidos. Em 1822, Pio VII determinou que o `Imprimatur` podia ser dado também aos estudos que apresentavam a teoria copernicana como tese. “(1)

Em 31 de outubro de 1992 João Paulo II reconheceu com uma declaração os enganos cometidos pelo tribunal eclesiástico que julgou os postulados científicos de Galileu Galilei. (4)

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Espero ter ajudado a esclarecer tais confusões. Entendo que nem sempre é possível verificar todo o material disponível, principalmente por ser ele de proveniência de terceiros. Também não culpo aqui uma ou outra pessoa. Apenas mostro os fatos na esperança da História ser apresentada como ela é, e não como alguns gostariam que ela tivesse sido.

Atenciosamente,

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BIBLIOGRAFIA

1 - Jorge Pimentel Cintra - `Galileu` . Ed. Quadrante, São Paulo, SP, 1987.

2 – Joaquim Blessmann - `O Caso Galileu`.

3 - Estêvão Bettencourt - `O caso Galileu Galilei`. Pergunte e Responderemos, Rio de Janeiro, RJ, Ano XXIV, n.º 267, março-abril 1983, p. 90-97.

4- http://www.acidigital.com/noticia.php?id=15812 (“Galileu e O Vaticano” derruba lenda negra sobre cientista e a Igreja”.)

5- http://www.acidigital.com/notic2003/agosto/notic334.htm (“A Igreja nunca perseguiu Galileu, revela autoridade vaticana”)